Quando decidi estudar Ciências da Religião, muitos pensaram que eu tinha visto “a luz” ou que me queria tornar freira. Mas, na realidade, não existe nada menos espiritual que estudar religião. Estudá-la é reconhecer que é impossível compreender, tanto do ponto de vista das ciências sociais, como das ciências exactas, os séculos que nos antecederam. Até à Idade Moderna toda a produção artística, filosófica e literária ocidental se posicionava dentro do paradigma religioso. E, na Idade Moderna, a fragmentação dos campos de conhecimento e o avanço das ciências naturais faz-se precisamente contra esse mesmo paradigma. A religião era (é?) o Outro contra o qual as áreas científicas e artísticas tinham que se afirmar.
Tudo isto a propósito de Espinoza, um homem notável, descendente de uma família de judeus sefarditas da Vidigueira e que tinha três nome próprios: era Bento em português, Baruch em hebraico, Benedictus em latim. Como gostaria que lhe chamassem no dia a dia?
Em baixo, a cópia da capa do seu Tratado Teológico-Politico publicado anonimamente em 1670, onde expõe ideias revolucionárias sobre a religião. Nele rejeita, por exemplo, a hipótese que Moisés tenha sido o autor dos primeiros cinco livros da Bíblia. Defende que estes eram resultado da compilação do trabalho de vários autores, pondo em causa a ideia de “revelação” do texto sagrado. Mas Espinoza vai mais longe criticando todas as formas de religião organizada e defendendo a análise da mesma pela razão e não apenas pela fé. Muito à frente.